Cadeia de Valor H2 Verde
Para enquadrar a implementação desta "nova energia" presente nesta molécula, é importante antes de mais nada para definir as configurações consideradas prioritárias na cadeia de valor do hidrogénio. A avaliação da sua sustentabilidade é considerada complexa, uma vez que inclui múltiplos e influentes fatores que em diferentes fases da cadeia estão também inter-relacionadas. Na prática, a cadeia de valor do hidrogénio inclui quatro fases, produção/conversão a partir de matérias-primas de alimentação, acondicionamento (compressão ou liquefação), armazenamento/transporte e fornecimento da utilização final.
Eletrólise
O que é Eletrólise?
Um eletrolisador é um dispositivo que tem como função quebrar as moléculas da água em átomos de oxigénio e hidrogénio.
A eletrólise foi descoberta pela primeira vez em 1800. Após a invenção da pilha elétrica por Alessandro Volta nesse mesmo ano, outros químicos tentaram conectar seus polos em um recipiente com água. Dessa forma, descobriram que a corrente fluía pela água e que nos elétrodos o hidrogênio e o oxigênio apareciam separados.
No processo de eletrólise, a molécula da água é o reagente que é dissociado em hidrogénio (H2) e oxigénio (O2) sob o efeito da eletricidade.
Tal como as células de combustível, uma célula de eletrólise de água consiste num ânodo e num cátodo, também chamados elétrodos, colocado frente a frente e separados por uma fina camada de material condutor de iões, que é chamado eletrólito. Podem ser feitos de uma solução aquosa contendo iões, uma membrana de troca de protões (PEM), ou uma membrana cerâmica de troca iónica de oxigénio.
A eletrólise da água não é um fenómeno espontâneo, necessita de uma intervenção externa (fonte de energia), pelo que é aplicada uma corrente contínua (CC) a partir do terminal negativo da fonte DC (do ânodo) para o cátodo (sede da reação de redução), onde o hidrogénio é produzido. As reações variam em função das tecnologias utilizadas.
Fonte: Atividade experimental sobre eletrólise da água
Tecnologias
A eletrólise da água pode ser classificada nos quatro tipos com base no seu eletrólito, desenho celular, funcionamento, condições, e agentes iónicos (OH-, H+, O2-), embora os princípios de funcionamento sejam iguais em ambos os casos. Os quatro tipos de métodos de eletrólise são:
Eletrólise alcalina da água (AWE)
Utilizam uma solução eletrolítica líquida, como o hidróxido de potássio ou hidróxido de sódio e água. Quando a corrente é aplicada na pilha eletrolítica, os iões hidróxidos passam através do eletrólito do cátodo para o ânodo de cada célula, e gera bolhas de gás hidrogénio no lado do cátodo do eletrolisador e gás oxigénio no ânodo.
São utilizados há mais de 100 anos e não exigem metais nobres como catalisador. No entanto são equipamentos volumosos que obtêm hidrogénio de pureza média não sendo muito flexíveis na sua operação.
Eletrólise de membrana de troca de protões (PEM)
Os eletrolisadores PEM utilizam uma membrana de troca de protões e um eletrólito polimérico sólido. Quando a corrente é aplicada, a água divide-se em hidrogênio e oxigênio e os protões do hidrogênio passam através da membrana para formar gás hidrogênio no lado do cátodo. São os mais populares porque produzem hidrogénio com alto grau de pureza e são fáceis de refrigerar.
São os mais adequados para se acoplarem à variabilidade das energias renováveis, e possuem uma estrutura mais compacta. Têm a desvantagem de ser mais caros, pois utilizam metais preciosos como catalisadores.
Eletrólise de óxido sólido (SOE)
Os SOE funcionam em temperaturas mais elevadas (entre 500 e 850ºC) e têm o potencial de ser muito mais eficientes que os PEM e os alcalinos.
Esta tecnologia utiliza um material cerâmico sólido como eletrólito.
Os eletrões do circuito externo são combinados com a água no cátodo para formar o gás hidrogénio e iões de carga negativa. O oxigénio então passa através da membrana cerâmica deslizante e reage no ânodo para formar gás oxigénio e gerar eletrões para o circuito externo. Tecnologicamente estão menos desenvolvidos que os anteriores devido à pouca maturidade e comercialização (economia de escala).
Outras
Além das tecnologias referidas, existem outras como a Células de Eletrólise Microbianas (MEC), o Anion Eletrólise de Membrana de Troca e a Foto-Eletrólise que ainda estão em investigação e desenvolvimento.
Condicionamento
Existem diversos processos para permitir que o hidrogênio possa ser condicionado para depois ser armazenado e/ou transportado e estar pronto para ser consumido comercialmente.
A armazenagem na forma gasosa ou líquida são atualmente as únicas categorias empregadas em escalas mais significativas.
Compressão
Outra forma de comprimir o hidrogénio e que é muito relevante no armazenamento e transporte de grandes quantidades do combustível, é o uso de compressores para injeção em gasodutos.
O sistema de armazenagem de gás hidrogénio comprimido exige um elevado capital investido, devido à necessidade de aumentar a sua densidade e de o comprimir a pressão suficiente para armazená-lo em cilindros ou em solos subterrâneos de forma segura. A alternativa de compressão apresenta as mesmas características já conhecidas para o gás natural, sendo o uso de cilindros interessantes para o transporte rodoviário e como tanque de veículos. Já os depósitos subterrâneos seguem o racional já conhecido da armazenagem subterrânea de gás natural, sendo uma opção para armazenar o combustível em elevadas proporções (Fonte: ScienceDirect)
Liquefação
A liquefação do hidrogénio apresenta vantagens substanciais. Realçando a densidade do hidrogénio, que alcança valores altos e por isso vantajosos (em cerca de 833 vezes). No entanto, esse processo consome muita energia para chegar ao ponto de ebulição (extremamente baixo) do hidrogénio. Com o hidrogénio liquefeito, o armazenamento deve ser realizado em tanques criogênicos de estrutura complexa para minimizar a sua evaporação (Fonte: ScienceDirect)
Transporte/Distribuição
Injeção na rede de gás Natural
As infraestruturas dos gasodutos que emanam do campo de recursos distinguem-se em duas áreas principais, rede de transporte de alta pressão e rede de distribuição de baixa pressão. As linhas de alta pressão são caracterizadas por um diâmetro maior e tubagens mais resistentes com estações de compressão, após intervalos regulares de distância. As redes de baixa pressão ou de distribuição são constituídas por estações de redução de pressão e rede de tubagem de diâmetro relativamente menor. Atualmente são utilizadas maioritariamente condutas de polietileno (PE), as pressões de funcionamento típicas são de 10-30 bar com caudais de 310-8900 kg/h.
Uma forma de expandir a rede H2 é, portanto, a de utilizar a rede de gasodutos de gás natural disponível, misturando hidrogénio na rede de gás natural. A injeção de hidrogénio ou “blending”, é a solução mais eficaz para o transporte e distribuição contínua de H2 gasoso em grande escala (dezenas de milhares de m3 por hora).
Existem atualmente vários projetos de injeção de hidrogénio na rede de gás natural. Um deles, o Green Pipeline Project, está no Seixal, e é liderado pela FLOENE , tendo como parceiras empresas portuguesas, tais como a Gestene, a PRF e a Vulcano/Bosch, sendo o primeiro teste de campo em Portugal a injetar hidrogénio numa rede com gás natural. Durante dois anos injetará hidrogénio verde numa rede de gás que serve um cluster de 80 clientes, dos quais 70 são residenciais e uma dezena de empresas, incluindo um consumidor industrial (Fonte: Green Pipeline Project)
Um dos desafios no transporte ou distribuição em gasodutos é a questão do valor calorífico do hidrogénio em comparação com o do gás natural. Atualmente, a legislação e regulamentação em vários países não permite a injeção de hidrogénio nas redes de gás natural. Por exemplo em Portugal, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) determina que o gás natural, nos pontos de entrada da rede nacional, deve respeitar os valores máximo e mínimo do Índice de Wobbe. Por essa razão, a injeção deve ser progressiva, ou seja, em pequenas percentagens.
Analisando o gráfico seguinte podemos concluir, de um ponto de vista teórico, que até uma percentagem de cerca de 22 % de incorporação de hidrogénio no gás natural, o poder calorífico do gás mantém-se dentro dos limites atualmente impostos pela regulamentação (Fonte: Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2020)
Transporte Rodoviário
Por transporte rodoviário, o hidrogénio é comprimido em camiões-cisterna, hidretos metálicos ou por camiões-cisterna com hidrogénio liquefeito.
Camiões de reboque, que são personalizados para transportar garrafas de gás empilhadas, são atualmente utilizados por empresas de gás industrial para transportar gás comprimido H2 em curtas distâncias (200-300 km), um reboque pode transportar de 2000 a 6200 m3 de H2, e a gama de pressão para cada garrafa é de 200 a 300 bar.
Os camiões-cisterna com hidrogénio liquefeito LH2 são referidos como camiões-cisterna criogénicos ou camiões-cisterna líquidos. Em longas distâncias, o hidrogénio líquido para camiões-cisterna é mais económico do que o hidrogénio gasoso, pois pode transportar uma massa de hidrogénio muito maior do que um reboque com tubo gasoso. Em números, pode transportar 10 vezes do que os camiões-cisterna com tubo H2 comprimido (fonte: ScienceDirect).
Os contentores à base de hidretos metálicos podem também ser utilizados para o transporte de H2 por carregamento direto para um camião ou vagão até aos locais de utilização final, onde podem ser trocados com os contentores de hidretos vazios. É uma forma muito mais segura de transportar hidrogénio e menos perigosa de transportar, além disso, a infraestrutura logística existente pode ser utilizada.
Transporte Marítimo
O transporte também pode ser feito pelo oceano. O gás natural liquefeito tem sido transportado por navio nos últimos anos. Para longas distâncias, o transporte de hidrogénio por navio poderá desempenhar um papel importante no futuro. Embora o conceito de transporte de hidrogénio líquido por navio já tenha sido considerado, o transporte a longa distância de hidrogénio comprimido, tal como mencionado, não é atrativo devido à sua baixa densidade energética e não é viável nos navios existentes. O maior desafio para o transporte de LH2 por navio, é manter o hidrogénio refrigerado a menos 253 graus Celsius, apenas 20 graus acima do zero absoluto, a temperatura mais fria possível para permanecer na forma líquida, evitando ao mesmo tempo o risco de que partes de um navio possam rachar. Vários projetos têm sido implementados e explorados em todo o mundo para testar e estudar esta opção para o transporte de hidrogénio.
Um bom exemplo foi em 2014, a Kawasaki, juntamente com a Iwatani e a J-power, iniciaram um projeto para estabelecer um modelo de cadeia de abastecimento para o transporte marítimo de LH2 . A ideia é transportar H2 da Austrália produzido por gaseificação de carvão castanho utilizando um petroleiro LH2, o primeiro petroleiro H2 líquido do mundo foi concluído em 2019 no Japão. O Suiso Frontier é um navio de 116 metros (381 pés) que foi equipado com um tanque de armazenamento de hidrogénio líquido de duplo escalão, isolado a vácuo, capaz de conter 1.250 metros cúbicos (330.215 gal) de hidrogénio líquido (Fonte: Hydrogen Energy Supply Chain Pilot Project between Australia and Japan).
Em Portugal, o Terminal de Gás Natural Liquefeito de Sines (GNL) faz parte do conjunto de infraestruturas para a receção e expedição de transportadores de metano, armazenamento e regaseificação de GNL para a rede de transporte, bem como o carregamento de GNL em camiões-cisterna. A instalação portuária inclui um cais para navios, braços de descarga articulados e linhas de descarga, recirculação e retorno para o vapor de GNL. A capacidade de descarga é de 10 000 m3/h de GNL para navios transportadores de metano com volumes entre 40 000 e 216 000 m3 de GNL (PDIRG).
Estratégias/Consumidores
Indústria
O hidrogénio tem potencial para substituir o gás natural como fonte de calor e energia na indústria, incluindo áreas em que a eletrificação não é possível, podendo obrigar, contudo, à substituição de equipamentos, mas sem necessidade de elevado grau de pureza do hidrogénio. Em setores que utilizam altas temperaturas, como na fabricação do aço e do cimento, pode ser uma alternativa de médio prazo (2030) válida para a descarbonização, dependendo da evolução da tecnologia e condições de mercado.
É utilizado igualmente como matéria-prima na indústria, maioritariamente na produção de amónia e refinação de petróleo, e é um subproduto de processo em alguns subsetores da indústria química inorgânica. A utilização de hidrogénio renovável como matéria-prima industrial envolve a substituição do hidrogénio ‘castanho’ produzido por SMR como a fonte incumbente.
Na indústria petroquímica a utilização do hidrogénio tem duas aplicações principais:
(i) Hidrogenação, na remoção catalítica de contaminantes dos produtos petrolíferos;
(ii) “Hidrocraking” no fracionamento de hidrocarbonetos pesados de cadeia longa em hidrocarbonetos leves insaturados, posteriormente saturados por adição de hidrogénio para obter produtos de maior valor acrescentado (e.g. jet fuel).
Na indústria de biocombustíveis a partir de biomassa poderá observar-se a procura crescente de hidrogénio verde, apesar do desenvolvimento deste setor ser ainda lento e condicionado pelos preços do crude e pela disponibilidade da matéria-prima.
Na aplicação à produção de fertilizantes e produtos químicos, a produção de amónia via hidrogénio renovável pode ser usada nos mercados de fertilizantes e produtos químicos. Como vetor no mercado da energia, a amónia pode igualmente ser portadora de hidrogénio para utilizações subsequentes. Por outro lado, o metanol renovável pode ser sintetizado através da hidrogenação do CO2, embora com uma eficiência inferior ao processo convencional. As olefinas – matéria-prima para plásticos, fibras e outros produtos químicos – podem ser produzidas via hidrogenação catalítica do CO2.
No setor alimentar, o hidrogénio pode ser usado na hidrogenação catalítica para produção de margarinas e outras gorduras semissólidas. A hidrogenação ajuda a evitar a oxidação e proporciona estabilidade térmica ao produto. Os produtores de margarina produzem localmente o hidrogénio via SMR de pequena escala ou via eletrólise.
Na produção de vidro, o hidrogénio desempenha um papel na fabricação onde, em combinação com o azoto, é usado para obter atmosferas antioxidantes, minimizando as falhas no vidro.
No processamento de metais, a produção de aço por exemplo pode tornar-se uma aplicação significativa para o hidrogénio, nomeadamente para a estratégia de redução do consumo energético e de GEE no setor, se tiverem sucesso os testes e demonstrações que se irão desenvolver na próxima década, face à maturidade tecnológica atual.
Mobilidade
Um dos principais obstáculos para alcançar uma sociedade neutra em termos de carbono são as emissões criadas no sector dos transportes, em especial, o motor com combustão interna. O hidrogénio e as baterias apresentam uma solução para reduzir o impacto negativo que o sector da mobilidade tem sobre o ambiente global.
As Células de Combustível em Veículos Elétricos, (FCEVs), são o exemplo mais notável de aplicação da tecnologia do hidrogénio. As células de combustível são conversores eletroquímicos; transformadores de hidrogénio (ou fontes de energia contendo hidrogénio) e oxigénio diretamente para a eletricidade. A célula de hidrogénio combustível, inventada em 1839, permite a geração de energia elétrica com elevada eficiência através de um processo de não combustão, eletroquímico. O processo não tem, portanto, emissões de CO2 no seu ponto de utilização. Dentro dos diferentes tipos de células combustíveis, a mais utilizada, é a célula de combustível membrana de troca de protões (Fonte: ScienceDirect)
As células de combustível são especialmente adequadas para utilização em sistemas de transporte locais, como transportes públicos.
Recentemente, em Cascais, Portugal, dois autocarros movidos a hidrogénio irão integrar o serviço de transporte rodoviário, nomeadamente os percursos na zona do Parque Natural de Sintra-Cascais. São eles equipada com a célula de combustível da Toyota, oferecendo uma autonomia de cerca de 400 km com um único abastecimento, e também beneficiam de tempos de reabastecimento muito reduzidos em comparação com a carga habitual dos veículos elétricos. Componentes tais como os depósitos de hidrogénio, as baterias e a célula de combustível, que se encontram no telhado, permitem uma piso rebaixado e otimização do interior do veículo (Fonte:Primeiro autocarro a hidrogénio do país já circula em Cascais)
Combustíveis
Os combustíveis sintéticos são produzidos pela reformação do metano e por gaseificação de carvão ou biomassa. Podem ser utilizadas distintas tecnologias para a produção de combustíveis sintéticos, o que conduz à perspetiva de que todos os produtos derivados de petróleo bruto poderiam ser produzidos sinteticamente, resultando em combustíveis verdes/renováveis. Em conjunto com a eletrificação da economia e as cadeias de valor anteriores, esta via poderia em princípio conduzir à descarbonização total do sector energético.
Atualmente, já são várias as empresas e os promotores com projetos P2I em curso ou em fase de projeto, que demonstra o interesse e a dinâmica já gerada no domínio do hidrogénio e em particular no domínio desta cadeia de valor (Fonte: Estratégia nacional para o Hidrogénio)
Energia Elétrica
Outro possível end user, é a produção de energia elétrica recorrendo a turbinas a gás devidamente adaptadas ou a células de combustível estacionárias abastecidas a hidrogénio, ele próprio produzido com eletricidade, é, à primeira vista, uma opção energeticamente pouco eficiente, se o seu propósito for a participação no mercado do fornecimento de eletricidade.
No entanto, no ponto de vista de serviços de sistema, em especial no que respeita ao armazenamento, em complemento às baterias e às barragens com sistema de bombagem, e constitui uma opção que reforça a segurança de abastecimento num contexto de descarbonização acelerada do sistema elétrico. Por exemplo, e para fazer face a anos hidrológicos secos, nos quais se verificam uma menor disponibilidade de recursos hídricos, poderia recorrer-se a grandes quantidades de hidrogénio armazenado para alimentar células de combustível estacionárias de grande potência (ou eventualmente turbinas a hidrogénio), e dessa forma reforçar a segurança de abastecimento (Fonte: Estratégia nacional para o Hidrogénio).